Saiba o que pode ser concluído com base nos estudos feitos sobre o assunto até então.
Uso de Cannabis na gravidez: o que se sabe?
Índice
- Não existe consenso no assunto
- Condições da amostra
- Estudo de Melaine Dreher
- Frequência de fumo
- Cannabis não é só THC
- Os fatos
- Recadinho para você, mãe
Não existe consenso no assunto
Se você veio buscando uma certeza sobre o assunto, sinto lhe dizer que ainda não temos uma resposta concreta quanto aos efeitos da Cannabis durante a gestação, mas nesse texto vamos discorrer um pouco sobre as teorias e fatos associados ao tema.
Ao pesquisar pelo tema, a resposta imediata é de notícias reportando os efeitos prejudiciais da Cannabis no feto, como deficiência no desenvolvimento físico e cerebral, maior propensão ao desenvolvimento de transtornos mentais, e até mesmo que poderia causar um aborto espontâneo ou morte-uterina (morte do feto dentro do útero). Mesmo assim, a porcentagem de mulheres que relatam fazer uso de Cannabis durante a gravidez gira em torno de 10% a quase 30% dependendo da faixa etária, com parte dessa porcentagem alegando o alívio de náuseas, dores e até condições psicológicas causadas pela condição. Esses números devem ser interpretados com certa margem, pois é comum que muitas mulheres não admitam o uso por medo de julgamentos da sociedade.
Então por que mesmo com esses números ainda alegamos que é uma questão que não há consenso? A resposta está na escassez de estudos. A amostra e resultados encontrados não são sólidos o suficiente para gerar uma confirmação sobre o assunto, até porque o próprio mecanismo da Cannabis ainda não é completamente compreendido.
Condições da amostra
Ao analisarmos os padrões da amostra usada como padrão já é possível considerar um primeiro questionamento: grande parte dos estudos relata que as mulheres usuárias de Cannabis da amostra que foi analisada, predominantemente estavam em situação de insegurança física e alimentar, por insuficiência financeira. Essas condições em si já criam um empecilho para uma gravidez sadia, ao gerar má nutrição e alto nível de estresse. Além da média de idade da amostra, caracterizando uma população criança/adolescente, contribuindo também para uma preparação mais precária em relação à gravidez, em geral.
“O perfil sociodemográfico dessa amostra é de baixa renda, abandono escolar, desemprego, e dependência financeira, e o consumo foi associado a faixa etária menor de 14 anos, histórico de mais de três parceiros sexuais e presença de transtornos mentais” (Ribeiro et al, 2016)
Outro ponto que deve ser mencionado é que grande parte dos estudos não considerou que essas mulheres poderiam estar fazendo uso de outras substâncias em conjunto com a planta, como álcool e tabaco. O uso concomitante de qualquer coisa do gênero já é o suficiente para afetar a integridade dos resultados.
“Howard et al. teve como objetivo principal, testar se a utilização de cannabis durante a gravidez afetava de alguma forma o peso ao nascer do recém-nascido, tendo concluído que bebês nascidos de grávidas com teste urinário positivo para THC, mostraram, consistentemente, menor peso ao nascimento (diferença média de 450g), menor comprimento (diferença média de 1cm) e menor perímetro cefálico (circunferência da cabeça), comparativamente a bebês nascidos de mães não consumidoras. No entanto, quando foi realizado o ajuste para fatores confundidores, como o tabaco, a redução do comprimento dos recém nascidos manteve-se estatisticamente significativo, mas o peso ao nascimento e perímetro cefálico perderam a sua significância estatística.” (Ferreira, 2021)
Essas análises não devem ser interpretadas como forma de invalidar os resultados, mas sim mostrar que os estudos possuem limitações, que vão sendo analisadas cada vez mais profundamente conforme os estudos vão sendo conduzidos de diferentes formas e perspectivas. Por isso, aqui vamos contar melhor também sobre outras formas de analisar a Cannabis na gravidez.
Estudo de Melaine Dreher
Ainda citando situações de amostragem, o estudo de 1994 conduzido pela antropóloga PhD em Antropologia e Enfermagem Melanie Dreher, foi um dos poucos que encontraram resultados positivos quanto ao uso de Cannabis na gravidez. Esse foi um estudo etnográfico conduzido em uma amostra cultural que utilizava a Cannabis de forma consciente e com valor espiritual, inclusive na gravidez. Os recém nascidos expostos e não expostos à Cannabis durante a gestação foram analisados três dias após o parto e, depois, ao atingirem um mês de idade. Foram avaliadas suas condições físicas e respostas comportamentais neurais. Não houveram diferenças significativas entre os grupos logo após o nascimento, mas as respostas comportamentais após um mês dos bebês expostos indicaram melhores resultados em relação à estabilidade, autonomia e irritabilidade.
O estudo em si, conclui que existem limitações de população e acerca da condição social, já que as usuárias de Cannabis teoricamente possuíam melhores condições financeiras, o que teria levado à melhor nutrição e desenvolvimento, justificando os resultados superiores das crianças após um mês. O estudo foi interrompido e não houve acompanhamento das crianças até a idade adulta. Sendo assim, os diferentes desdobramentos e questões sociais que poderiam influenciar os resultados nunca viram a luz do dia. Por isso, é necessário que sejam conduzidos estudos em diferentes populações e condições. O estudo de Melanie não pode ser usado como definição se há uma forma segura de consumo de Cannabis na gravidez.
Frequência de fumo
Uma questão importante é a frequência de exposição à Cannabis. Como o THC possui livre circulação entre o sangue da mãe e do bebê, através da placenta, a quantidade de substância e frequência de circulação também são questões que devem ser levadas em consideração.
“Conner et al. concluiu, de igual forma, que apenas as crianças de consumidoras pesadas de cannabis, comparativamente àquelas de mães que consumiam menos que uma vez por semana, durante a gravidez, tiveram peso ao nascimento inferior a 2500g. Desta forma, é possível afirmar a possibilidade de haver uma relação dose-dependente entre o consumo de cannabis no período de gestação e parâmetros de crescimento do recém-nascido, como por exemplo, o peso, comprimento e perímetro cefálico.” (Ferreira, 2021)
Ainda não foi possível concluir se existe uma dose segura de exposição ao THC que não prejudique o desenvolvimento do feto, porém pode existir a possibilidade. Essa informação só poderá ser confirmada ou não conforme o avanço dos estudos.
Cannabis não é só THC
Precisamos frisar que, em sua maioridade, os estudos procuram as interações do THC com os efeitos no feto, pois para diferentes canabinoides não foram conduzidos testes de análise nesse quesito. O CBD é um dos mais famosos canabinoides indicados para tratamentos medicinais com Cannabis, já existem evidências de seu uso para tratamento de náuseas e também comprovação do seu efeito analgésico. Por esses fatores entende-se a motivação de muitas mulheres grávidas em recorrer a esse tipo de tratamento natural.
No caso do estudo de Melanie, não foi mencionado se houveram coletas de amostras de sangue para verificar que tipo de canabinoide estava sendo administrado nas mulheres. A autora em sua fala discorreu sobre como a Cannabis daquela época era muito diferente, pois hoje, principalmente nos países legalizados, existem cruzamentos com altíssimos teores de THC.
A Cannabis usada pelas mulheres no estudo de Dreher não era rica em THC, disse ela. “Não era nada parecido com a cannabis que temos agora.” (Scientific American, 2019)
A própria Agenda Federal de Saúde dos Estados Unidos (FDA) cita que não existem confirmações sobre a administração de CBD em mulheres grávidas, por falta de estudos. No entanto, afirmam que, como agência de saúde, desaconselham o uso por conta de estudos em áreas relacionadas que mostram uma ação do CBD que poderia ser prejudicial para o desenvolvimento do feto.
Uma terapia canábica completa aplicada a esses casos seria uma forma de utilizar os diferentes canabinoides existentes na planta, em prol de suprir as demandas da gravidez. Existem mais de 100 canabinoides diferentes na planta, hoje sabemos pouco, mas já conhecemos também os efeitos da forma ácida dos principais canabinoides, chamados THCA e CBDA, que também possuem aplicações medicinais, diferentes da molécula ativa. Essas moléculas podem ser encontradas na folha da planta, comumente são consumidas batidas em vitaminas.
Os fatos
No meio de muitas incertezas, queremos passar um breve resumo sobre algumas questões que a literatura parece encontrar um consenso.
O sistema endocanabinoide é o sistema de receptores que reconhece os compostos da planta e nos faz sentir os seus efeitos. Esse sistema está muito presente no útero e controla toda a regulação da região, os canabinoides consumidos terão interação com o bebê e essa interação pode ser prejudicial, dependendo de muitas questões. Essa interação se estende para a amamentação, pois no leite materno também seriam encontrados canabinoides, essa ação promoveria uma estimulação do sistema endocanabinoide do bebê, porém não se sabe os reflexos dessa ação a longo prazo, pois o sistema ainda está em desenvolvimento.
Uma das maiores convergências da literatura é em relação aos efeitos da Cannabis no desenvolvimento neuropsiquiátrico do bebê. Os resultados dos estudos têm concluído que crianças que foram expostas a Cannabis durante o desenvolvimento se mostraram mais propensas a desenvolver transtornos de hiperatividade, depressão, ansiedade, etc.
Estão iniciando estudos de caso relacionando um alto consumo de Cannabis como desencadeadora de complicações emocionais relacionadas também à gestante, mas esses estudos são análises individuais de situações, também não devem ser interpretados como verdade absoluta.
Essas informações possuem todas as limitações que comentamos em relação aos estudos, mas são fatos a serem levados em consideração.
Recadinho para você, mãe
Se você veio ler esse texto por estar na situação de consumir Cannabis durante a gravidez, ou pensando sobre isso, saiba que é completamente compreensível buscar na planta o alívio de alguma angústia que você esteja sentindo. Não aceite julgamentos sobre isso, pois como falamos aqui, nem mesmo os que mais sabem sobre o assunto, possuem certeza do que irá acontecer.
A saúde é uma questão muito complexa e provavelmente você talvez não esteja se sentindo muito “saudável” por estar buscando um remédio na planta.
Por isso, tente focar no que você acredita ser melhor para sua saúde e do seu filho, use e abuse da Redução de Danos para diminuir o máximo possível dos prejuízos relacionados ao fumar, mantenha uma alimentação saudável e se cuide da melhor forma possível.
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Referências:
- https://revistardp.org.br/revista/article/view/138/120
- https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/8121737/
- https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/134418/2/479703.pdf
- https://www.fda.gov/consumers/consumer-updates/what-you-should-know-about-using-cannabis-including-cbd-when-pregnant-or-breastfeeding
- https://www.scientificamerican.com/article/to-justify-using-weed-some-pregnant-women-cling-to-an-old-and-dubious-study/
- https://www.youtube.com/watch?v=gyQM_FNyxj8